Marcelo Barreto: “Vinícius e Marielle”

Era quase meia-noite. A quarta-feira estava acabando quando Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior, jogador de futebol, negro, nascido no bairro do Mutuá, em São Gonçalo, entrou no campo do Estádio George Capwell, em Guaiaquil, no Equador. O que aconteceu em seguida se transformou na principal notícia esportiva da semana. Este O GLOBO chamou a atuação do jovem atacante do Flamengo de batismo. Meu amigo Sidney Garambone, na bancada do “Redação SporTV”, disse que Vinícius deixou de ser Júnior — frase que repercutiu até num jornal equatoriano. Internautas se divertiram postando comentários no site do Real Madrid, dizendo que os R$ 165 milhões que o clube espanhol pagou por ele são pouco e exigindo Cristiano Ronaldo como moeda de troca.

Às 21h30m daquela mesma noite, 15 minutos antes da partida, Marielle Francisco da Silva, socióloga, militante feminista e dos direitos humanos, vereadora, negra, nascida no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, passava de carro pelo Estácio, na região central da cidade, com seu motorista e uma assessora. O que aconteceu em seguida se transformou na principal notícia da semana. Este O GLOBO dedicou à repercussão dos assassinatos todo o espaço da capa da edição de sexta-feira. O título no alto da página reproduzia o grito da multidão nas homenagens no Rio e em outras cidades do país: “Marielle Presente” — o mesmo que, em forma de hashtag, era líder da lista dos trending topics do Twitter desde a véspera. Internautas se dividiram em sites como o do “Extra”, levando o jornal a publicar um editorial que explicava o conceito de direitos humanos — o alvo preferido em agressões postadas na seção de comentários.

Marielle Franco era torcedora do Flamengo — e esta poderia até ser a única ligação entre dois eventos tão próximos no tempo. O clube, aliás, se posicionou: publicou nota de pesar em sua conta no Twitter, na qual também lamenta a violência que assola o Rio de Janeiro; enviou uma coroa de flores à família e teve o presidente Eduardo Bandeira de Mello a representá-lo no enterro. Mas houve outras manifestações no mundo do esporte: Neymar (retratando-se de uma infeliz “homenagem” a Stephen Hawking, com frase de efeito e foto de perna esticada na cadeira de rodas), Flávio Canto, Fabiana Claudino e Moisés (do Palmeiras) foram alguns dos atletas que postaram sobre o assunto em suas redes sociais.

Caía mais uma vez a barreira que separa o esporte do mundo à sua volta. Naquela noite de quarta-feira, isolar o futebol da vida real já tinha se tornado impossível. Marielle e Vinícius — que se mudou para a Abolição aos 5 anos, para ficar mais perto do Flamengo — vieram do mesmo lado da cidade que Zuenir Ventura chamou de partida. As notícias que os envolveram se misturaram não só no tempo, mas porque falavam da nossa esperança, do nosso desespero.

Existem poucos caminhos para cruzar o muro que divide o Rio de Janeiro. O de Vinícius, ter sucesso como jogador de futebol, não é fácil. O de Marielle, botar o dedo nas feridas da sociedade, era mais perigoso e lhe custou a vida.

Sim, uma vida como tantas que a violência toma todos os dias. Mas cada uma tem algo de especial: a de Vinícius, no vigor de sua juventude, o talento com a bola, que queremos ver cada vez mais; a de Marielle, interrompida, a voz, que não podemos deixar de ouvir.

Reprodução: Marcelo Barreto/ O Globo

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