Arthur Muhlenberg: “O dom de iludir”

Começou o Campeonato Carioca. Como diria o herói nacional Macunaíma, – Ai, que preguiça. Todo mundo sabe, Carioca já foi fodão, era importante à beça, o campeão tirava muita onda. Mas a idade chega pra todos e já faz um tempão que o Carioca anda morre-não-morre, todo entubado, mal tem força pra apagar as 112 velinhas do bolo de aniversário. Mas o bicho é resistente. Principalmente porque tem alguns torcedores muito roots que resistem por ele. Tratam o moribundo campeonato com o desvelo, a fidelidade e a consciência histórica daqueles foliões cariocas que saem no Carnaval fantasiados de clóvis. O assustador bate-bola mantém viva na Zona Oeste a tradição dos clowns que o português trouxe pra Folia de Reis lá no tempo de Dom João Charuto. Os 4.340 pagantes que arrastaram seus corpos ontem até o Raulino também me assustaram, porque são simplesmente heróis, mereciam receber um incentivo pela Lei Rouanet.

Mas talvez o Carioca resista porque seja o campeonato mais difícil do mundo e um dos mais difíceis do Brasil. Pelo menos pro Flamengo. Em que outro planeta da galáxia um time se fode todo pra jogar um campeonato cujo peso de sua conquista é infinitamente menor que o peso da não conquista? Vocês conhecem bem o roteiro dessa pegadinha lógica. Se ganhar não vale nada e se perder (já aconteceu algumas vezes) é o fim do mundo e vagabundo passa mal. Quando o Dia do Julgamento chega em dezembro e a turba togada dispara veredictos a torto e a direito a frase “Só ganhou um Carioquinha” pode ser substituída tranquilamente por “Não ganhou nem um carioquinha” sem que se altere o sentido das sentenças. Se for pra ser pragmático, não vale muito à pena se esforçar demais pra ganhar um troço que além de não valer porra nenhuma ainda vai acabar dando dor de cabeça.

É verdade que há alguns anos a torcida ainda se deixava narcotizar pelos espíritos voláteis do carioqueta, e as nada surpreendentes conquistas do Flamengo subiam rapidamente à cabeça, criando a ilusão recorrente de que o Flamengo faria um Brasileiro muito bom. Era doideira pura, porque a verdade dos fatos demonstrava claramente que Carioca e Brasileiro eram dois eventos esportivos entre os quais não existia qualquer nexo causal. Eles mal se falavam. Desde 1971, marco zero da competição nacional, o Flamengo só foi capaz de conquistar o Brasileiro e o Carioca no mesmo ano em 2009, ano em que os deuses do esporte estavam de sacanagem e combinaram fazer tudo ao contrário. Vocês lembram, entre outras bizarrices o Rio foi escolhido para sediar os Jogos Olímpicos, Kleberson fez gol de título e Jason Button (quem?) foi campeão da Fórmula 1. Há um consenso, até entre os gato-mestres, que 2009, o annus mirabilis rubro-negro, foi quase totalmente desprovido de realizações paramétricas.

Há anos que o Flamengo ameaçava dispensar ao Carioca a atenção e o esforço condizentes com a sua relevância. E todo ano botava seus melhores jogadores pra disputar arranca-tocos homéricos durante 3, 4 meses do ano, aniquilando qualquer possibilidade de fazer da Libertadores uma prioridade no clube. Foi uma gratíssima surpresa ver o time do Flamengo que foi escalado para a nossa 106ª estreia no Carioca contra o simpático Voltaço. Foi bom ver molecada praticamente ignota escalada no 4-3-3, camisa raiz só com o numero nas costas, sem o nomezinho do artista, muito no sapato. Jogaram fácil, passaram o rodinho na humilde e já saíram de campo líderes invictos. Pra ninguém ficar se achando muito evitarei as citações nominais, o time está de parabéns. Tem que continuar isso, viu?

Ainda mais importante que continuar a vencer é que o Flamengo, agora institucionalmente, continue a demonstrar publicamente o meia-boquismo do Carioqueta. Não com papinho, mas com ações. Enfim é um posicionamento claro e sabemos que não é questão de valentia. Deve ter custado muito tempo e dinheiro na negociação com quem banca tudo pra chegar onde chegou. Mas traz muito mais resultado prático do que ir pro arbitral da FERJ bater boca com Rubinho e os ectoplasmas de Caixa D’Agua e Otávio Pinto Guimarães. Depois que a Liberta começar baixem logo a norma interna para que nunca mais se escalem titulares em nosso pitoresco folguedo praiano.

Aos torcedores mais empolgados vale sempre o conselho clássico para que leiam a bula para não serem mais uma vítima do maior charme do Carioca, o seu dom de iludir. Campeonato Carioca é uma droga recreativa leve, sem contraindicações. Mesmo não causando adição deve ser consumida com moderação para evitar alucinações e sonhos de grandeza sem correspondência com a realidade.

Reprodução: Arthur Muhlenberg / República Paz & Amor

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