O Globo: “Artigo: Uma visão elitista do confronto”

Fui ao Maracanã com uma turma de amigos que alugou um camarote. Tranquilidade por um preço alto. Tínhamos entradas para o estacionamento e partimos cedo. Às 19h30m, já estávamos no Rebouças, saindo da Zona Sul. Quando chegamos perto do estádio, já sentimos a desorganização. Duas horas antes do jogo, o clima já era pesado.

Passamos por um bloqueio de trânsito, mostrando ingressos e autorização para estacionar dentro do estádio. Alguns metros depois, havia outro bloqueio. Precisava? Não sei. O fato é que o horror começou neste segundo bloqueio, já perto do Portão 9. Uma turma resolveu tirar as grades que faziam o bloqueio, e o profissional que fazia as averiguações, no braço. Atropelaram tudo, jogando as grades para longe e enxotando o profissional. Uma das grades atingiu um senhor que passava alheio e que reclamou. A turma se virou contra ele e em segundos ele estava estendido no chão inconsciente. As crianças no carro assistiam a tudo, sem entender.

Por que a torcida do Flamengo agredia a torcida do Flamengo assim? Uma porrada no vidro do carro nos tirou do torpor para nos alertar que também éramos alvo. Tínhamos, em comum com o corpo estendido no chão, o fato de termos cruzado o caminho daqueles cidadãos que devem ter saído de casa sem ingresso com o objetivo de criar tumulto, agredir quem passasse na frente e manifestar seu ódio aleatório, gratuito e randômico.

Há tempos desisti de ir às arquibancadas. Todo mundo fica em pé, embora as cadeiras sejam confortáveis. A arquibancada virou uma geral. Só que a antiga geral era bem-humorada, e a arquibancada não é. É feroz. Por isto, a escolha caríssima do camarote. Desisti também de clássicos. A certeza da violência, dentro e fora do estádio, desanima. Fui ver a final da Copa do Brasil e demorei muito a entrar no estádio, embora tenha ido cedo, por conta dos milhares de torcedores que foram sem ingresso pra tentar arrombar e entrar na marra. O que se repetiu ontem, evidentemente, e vai se tornando uma tradição.

No intervalo, meu filho manifestou sua preocupação. Estava com medo da saída do estádio. Quando chegamos ao estacionamento, vi um carro retornando de ré. O teto do carro e o vidro traseiro tinham sido destruídos por um objeto pesado jogado do corredor de acesso às arquibancadas na área interna do estádio. Se atingisse uma pessoa, teria matado. Quem jogou o tal objeto não mirava ninguém em especial. Queria destruir, machucar, ofender quem quer que fosse e só.

O estacionamento ficou fechado por cerca de 50 minutos. As crianças, de dez e 12 anos, no carro, tensas com o que encontraríamos lá fora. Nisso liga um amigo que estava do lado de fora do estádio, com duas crianças de menos de dez anos, entre cercos policiais, agressores, balas de borracha, gases de efeito moral e sem conseguir fugir para lugar nenhum. Tinha ido de metrô e pensava em retornar da mesma forma. Pedimos que se unissem a nós, mas eles não conseguiam cruzar os bloqueios da polícia. Nem para chegar à porta do estacionamento, onde pegariam a carona.

No camarote, uma cena me chamou a atenção. Dois rapazes que estavam na última fila da arquibancada, logo à frente, resolveram ficar de pé nas cadeiras durante o jogo todo. Isto bloqueava a visão de quem estava atrás e obrigava a ficar de pé. Ao meu lado um senhor, já bem maduro e cadeirante, não conseguia enxergar nada. Com toda a educação e tato, pedimos aos tais cidadãos para que levassem em conta que a escolha deles implicava em impedir que um cadeirante visse o jogo. Eles atenderam prontamente, mexendo-se cinco centímetros para o lado e continuaram em pé. Mas ofereceram ao senhor da cadeira de rodas uma fresta para que ele visse cobranças de escanteio. Uns lordes.

Torcidas nem sempre foram exemplos de civilidade. A diferença é que hoje turbas hostis vão ao jogo sem ingresso, para entrar na marra. Antes, apontavam os morteiros para o céu, hoje apontam para alguém.

Fui a jogos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, com a família, e não vi nem ouvi falar de nada do gênero e sei que se quiserem organizar, conseguem. E aí fica a dúvida: quem é o responsável pela desorganização do jogo de ontem? O Flamengo, que diz ter habilidade para gerir o estádio? O Estado, que embargou sua compra para fazer uma “nova licitação” que não sai nunca do papel? A Odebrecht, que aluga o estádio para eventos mas não tem nenhum interesse em ficar com o negócio? Quem vai pagar pelo estrago? Quem se responsabiliza pelos feridos?

Para mim, chega. Melhor ficar em casa e torcer pelo meu Flamengo sem me expor a estas coisas.

Fiquei muito preocupado com os amigos que chamei de malucos quando disseram que preferiam ir de arquibancada. Todos estão vivos. Mas não podemos chamar isso de diversão. Muito menos familiar.

* Léo Jaime é cantor e compositor

Fonte: O Globo

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